quarta-feira, 18 de março de 2009



para Luiz Coelho



se eu buscasse na vida o sentido

de te dizer da beleza

é cálida com ardor

te diria de uma forma talvez

melhor o mesmo

babando nos teus meios

Luiz Coelho


ontem ao abrir os olhos
Alice havia partido
e como qualquer mulher
descomprometida do seu tipo
deixou sujo
de manteiga o cabo da faca
na mesa da copa

cinco da madrugada
e eu só no apartamento
ela levou meus
cigarros (o único perfume
que eu ainda tinha
dela no meu pensamento)
e me marcou de batom
no espelho
uma poesia de Coelho

terça-feira, 10 de março de 2009

A partilha

Depois de tantos anos, após muitas discussões e tentativas fracassadas de tentar salvar o relacionamento, eles conversaram e resolveram se separar amigavelmente.

— Você se importa em ficar com todas as fotos e cartas? Disse ele com um ar de quem não quer guardar lembranças.
— Tudo bem. Ah, eu vou querer o pingente da carametade.
— Mas não foi um presente?
— Foi, mas pra quê você vai querer este pingente sem a outra carametade?
— É verdade, não faz muito sentido. Eu vou querer ficar com o quadro do Renato Russo.
— ahãm. Aliás, ele já era seu mesmo, né. Era do seu tempo de garoto.
— É mesmo… E os discos? Você vai querer algum?
— Claro que não, nem existe mais toca disco.
— Posso ficar então com tudo?
— Pode.
— Até os discos do A-HA?
— Até os discos do A-HA.
— Olha, não vejo você tão legal assim desde… desde… bom, na verdade nunca te vi tão legal assim.

E assim foi com os livros, com a louça portuguesa que ganharam da tia Nadir de presente de casamento, os vinhos da adega, as taças de cristal, as plantas, os bichos de estimação (ele ficou com o Bob, o cachorro, e ela com a Sharon, a gatinha siamesa) e com todo o restante. Até chegar a hora dos DVD’s das dez temporadas de “Friends”. A única coisa que foi capaz de fazê-los rirem juntos um dia, agora poderia ser o pivô de mais uma discussão.

— E os DVD’s do “Friends”? perguntou ele.
— O quê que tem? Se fazendo de desentendida.
— Como vai ser?
— Eu vou ficar com eles. Disse ela toda dona de si.
— Por quê?
— Ora, porque… porque eles são meus.
— Seus uma óva! Vamos dividir também.
— Mas não dá pra dividir, é um box. Não tem graça ter um box incompleto.
— Vamos tirar no palitinho?
— Você e suas alternativas ridículas!
— Você tem alguma alternativa melhor, hein?

E assim estava formada mais uma discussão, e agora, por uma coisa que um queria tanto quanto o outro. Era quase que por uma questão de princípios. Ele porque dizia que sempre assistiu à série desde a primeira temporada, e ela porque dizia que teve a idéia de comprar o box; ele dizia que nunca perdeu um capítulo sequer, portanto, se achava mais fã e ela dizia que ele não podia ficar porque se não fosse ela, ele nunca teria sacado que “Central Perk” fazia alusão ao “Central Park”. E cada um foi dando os motivos mais variados e absurdos possíveis. Até que sentaram, olharam um para o outro e se escangalharam de rir.
Até hoje nenhum dos dois sabe porque riram tanto naquele dia. Nem mesmo lembram porque queriam se separar. Mas o que contam hoje, três anos depois da tentativa de divórcio, é que, segundo ele, ela arranjou um motivo esfarrapado para cancelar a separação, porque na verdade, ela ainda era apaixonada por ele. E segundo ela, só resolveu manter o casamento, após a inexplicável transa que tiveram no sofá depois de pararem de rir, porque era insuportável a idéia de ter que ficar sem ele — o box das dez temporadas de "Friends", é claro.