segunda-feira, 26 de julho de 2010

Passeio Noturno II

Entediada, Júlia vai ao shopping alimentar seu desejo de consumo. Precisava comer algo diferente naquela noite. Pediu um sanduíche de salmon defumado. Sorriu para o rapaz da livraria que lanchava ali. Disse que lembrava do dia em que o viu derrubando uma prateleira de livros. Sorriram. Em poucos instantes estavam na casa do livreiro. Davi. Como? Meu nome é Davi. Não importava, aquela noite para ela era diferente e especial. O sofá pequeno era o espaço exato de que precisavam. Lá fora, os pingos da chuva, que escorriam, batiam na caixa do ar condicionado, fazendo um barulho forte, constante e acelerado, que se confundia ao deles, ficando cada vez mais distante aos ouvidos. Na mesa, um bocado de envelopes, fechados e abertos, endereçados a Davi. De súbito, Júlia se levanta. Se recompõe. E sem se despedir sai correndo e vai embora. Davi não consegue alcançá-la.
Meia hora depois: Boom! E a caixa de correios de Davi brilhava pelo retrovisor da moto de Júlia, na rua silenciosa e escura.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Passeio Noturno I

Júlia busca a felicidade dentro das mais simples esperanças. Endividada até o pescoço, não se redime aos gastos supérfluos, nem às apostas no jogo do bicho. Uma de suas poucas diversões. Toda dia é a mesma coisa. Acorda cedo. Toma seu café da manhã. Limita-se apenas a um copo de mate gelado e torradas (destas de supermercado) com cream cheese. Vai até a esquina e faz sua aposta diária. Sempre aposta na milhar 6311. Burro. Volta para casa e vasculha a caixa dos correios com esperanças renovadas, pois já se passaram oito anos. Morar sozinha não é ruim, dizia ela, o chato é ter que cozinhar. A comida quando não é o bastante é demais. Difícil acertar a mão! Exatamente por isso, Júlia come queijo-quente quase toda noite, depois do seu passeio.
A noite chega e Júlia monta em sua moto. E sai pelas ruas. Procura sempre a que mais lhe agrada. A mais calma. Silenciosa, arborizada. Nunca a mesma. Não quer despertar suspeitas. Olha casa por casa, com um cuidado extremo. Minucioso. Examina, como se pudesse saber, a que mais se difere da sua realidade. Traça semelhanças e distinções. E quando escolhe a casa, a satisfação em seu rosto é incontestável. Sua alegria transpassa a angústia e a vontade de chorar, levada por uma euforia que lhe acelera o coração. Ela se aproxima do portão, acende um cigarro, abre uma garrafa de álcool, despeja parte dentro da caixa dos correios, joga o cigarro lá dentro. Pula na moto. E corre. Apenas o suficiente que dê para ver, pelo retrovisor, a caixa de correios explodir. Boom! Os pingos da garoa fina que cai queimam seu rosto, assim como a lembrança dos oito anos sem resposta.