quarta-feira, 26 de março de 2008

Saciar a fome também me sacia

estou com fome e
o ranger da porta
(de desejo apetecido
de óleo Singer)
lembra o ranger
dos meus dentes
que estão apetecidos
de carboidratos, gordura
hidrogenada, gordura
trans, ou qualquer
outra coisa
que me engorde e que
aumente meu tecido adiposo
— fonte interminável
de calor — (pele, epiderme...
pêlos pelos poros
pálidos e polidos)
fico estático
olhando extático
os nossos desejos
tão semelhantes
e distintos
levanto e saio
enquanto a porta
na volúpia dos
seus movimentos
ainda chora
volto com o óleo Singer
sacio sua fome e
lhe encho de alegria
(saciar a fome também me sacia)

Parto astrológico

– Amor, to com dificuldades de engravidar.
– Eu também.
– Hã!
– Quer dizer, to com dificuldades de engravidar você.
– Mas a culpa não é sua.
– Com certeza!
– Como assim, é minha?!
– Hã! Não, não é minha nem sua.
– Pois é.
– Pois é... vamos adotar?
– Não. Não é a mesma coisa. Eu quero um bebê que saia das minhas entranhas, entende?
– Eu também. Eu também gostaria. Você já ouviu falar em inseminação artificial?
– Nem me venha com esses chás malucos da sua mãe! Da última vez, posei de rainha por duas semanas com aquele tal de “chá de sena”. Nem lembro pra quê que aquela porcaria servia.
– Você tava meio gordinha.
– Gordo é você! Eu tava um pouquinho acima do meu peso.
– Tudo bem. Não vamos mudar de assunto. Vamos falar do meu filho.
– Seu filho! Você tem um filho?
– Não meu amor, o nosso filho, o filho que queremos ter.
– Ah! Então tá então. Mas você quis dizer filha.
– Não, eu tenho certeza do que falei. Mas esse é outro assunto.
Pois então, inseminação artificial é quando inseminam artificialmente o bebê em você.
– Já grande? Que estranho!
– Não. Eles inseminam o espermatozóide no seu óvulo, sei lá, alguma coisa assim. Coisas da ciência.
– Não sei não, eu prefiro da forma tradicional.
– Eu também. Até porque fica a cargo de Deus escolher como será nosso bebê.
– Como assim, eu posso escolher?
– Sim, nós podemos escolher o sexo.
– Estou começando a gostar.
– Que bom. Então agora já podemos discutir o sexo.
– Como discutir? Já está decidido. Vai ser menina.
– É melhor tirarmos na sorte para não brigarmos. Desse jeito, escolher o sexo vai ser complicado. Olha só, mudando de assunto, já que estamos em Outubro, se fizermos logo, o bebê poderá nascer
em Junho.
– Então vai ser pro dia 21 de Junho!
– Mas você é sistemática mesmo né. Que diferença faz 20, 21...? E
como você vai escolher a data? Tá louca!
– Em vez de eu fazer parto normal, quero fazer cesariana.
– E se o médico disser que você terá de fazer o parto dia 20?
– Ué, eu espero mais um dia.
– E pra quê isso tudo?
– Bom, se ele nascer dia 20 será de gêmeos, mas se ele nascer dia 21 será de câncer. Um dia faz toda a diferença, amorzinho.

Bar & Restaurante

nada me inspira aqui
nem tchutchucas
nem cabrochas
nem cadeiras
nem as mesas
nem os quadros
que faltam na parede
muito menos a música
ensurdecedora
acompanhada
de gritos
insuportáveis
em tentativas
fracassadas
de cantar: coisa simples
que requer um mínimo
de ritmo ou simplesmente
saber de cor a letra

quando eu era criança
neste mesmo lugar
costumava correr
me esconder
jogar bola de gude
ah... as bolas de gude!
não havia gritos
nem música alta
só a paz eterna
das tardes (de todas as estações)
no colinho da vó Linda
de baixo da sombra
do pé de romã

e agora no lugar
do pé de romã
um banheiro
no lugar das bolas de gude
mesas e cadeiras
e no lugar das tardes
de polidas estações
noites temíveis de alegria

descobri que pra ser feliz de verdade
é preciso manter viva
estas lembranças
e aprender a
consumir o sumo
formidável
das coisas novas
só me resta então viver
da minha alegria insolúvel
esquecer das angústias e anseios
e beber da fonte interminável
dos prazeres

Onde a dor não se sustenta

Estes dias de tristeza
São momentos passageiros
Se me pegas na fraqueza
Meu amor é mais ligeiro

Estes dias de tristeza
Não se fazem mais constantes
Só beleza não põe mesa
Hoje tenho mais amantes

Já não sofro mais de dor
Nem meu coração lamenta
Hoje tenho novo amor
Onde a dor não se sustenta

Quem já viveu um amor
como eu, sabe a hora de esperar
é que quando se está sozinho
é difícil arrancar o espinho
sem se machucar.

O sabonete

É sedoso e perfumado
Colorido e espumante
Que no banho é tão usado
Na banheira dos amantes

Delicadas aparências
Formas côncavas, oblíquas
Eu só penso em indecências
Saboteio minhas rimas

No banheiro dos solteiros
Ele vive tão sozinho
E só tem de companheiro
Um temível pentelhinho.

Memórias do ócio

Hoje acordei
e tirei
meu pijama

fui para a sala
sentei no sofá

deitei e
cochilei no sofá
e voltei rapidinho pra minha cama

depois do café
olhei pro pijama
vesti o meu pijama
me esparramei todinho na minha cama.

Pois é...
esparramado na cama de pijama
– sem meia.

terça-feira, 25 de março de 2008

Dez breves definições para se entender o meu ser

Sonho
pra não ter que acordar
das inúmeras manhãs
de ressaca daquele
maldito traçado
de quinado com 51

Corro
porque já não há mais
motivos pra ficar parado
e meu tempo é curto
só três minutos
o que se faz em três minutos?
talvez um miojo – que nojo!

Desvio
inutilmente dos intermináveis
bacilos da gripe
expelidos através de
fortes contrações
laringo-bucais
nesta sala abafada

Desejo
noites promíscuas
de prazer, amor, sexo, orgia, ménage à trois, suruba, bacanal...
tudo pra fazer morrer
de inveja um tal
de Marquês de Sade

Deliro
delirantemente quando
vejo uma minissaia
pernas torneadas
sorriso largo
cangote perfumado
com cheiro de rosas
de lírio

Penso
porque pensando
acho que existo
logo me dou conta de
que está cada vez mais
complicado existir
(é o que penso)

Canto
pois cantando eu liberto
meu coração da dor
daquela ingrata
que me largou
e ainda ficou
com meu isqueiro

Rezo
por razões nada óbvias
que me fazem crer
que o ser humano
é limitadamente (in)capaz
de compreender
a magnitude da
força divina

Agrido
meu corpo com inúmeros
movimentos repetitivos
de estalar qualquer parte
dedos, cotovelos,
pescoço, boca,
joelhos, orelhas, e
qualquer outra
articulação que eu
venha ainda a descobrir

Acordo
pra realidade
nua e crua
dos meus retratos
e meu passado informidável
e meus poemas sem rima

Saudade

Saudade: sentimento português por excelência. Nós devemos ser privilegiados em sentir algo assim tão singular. Mas será que quando alguém diz “I miss you”, por exemplo, ela não tem o mesmo sentimento? Será que o seu coração não bate tão forte quanto o nosso?
A palavra saudade vem do latim solitate, solidão. No português arcaico, deu soedade, soidade, suidade. Mas os etimologistas não são unânimes quanto a origem deste vocábulo, tão característico do Brasil. Em árabe, as expressões suad, saudá e suaidá significam sangue pisado e preto dentro do coração, além de serem metáforas de profunda tristeza. A as-saudá é o nome de uma doença do fígado entre os árabes, ela é diagnosticada pela melancolia do paciente (só a título de curiosidade mesmo)
A espécie humana tem esta peculiaridade: o mix de sentimentos. Carregamos lembranças que ficam guardadas no fundo do coração, ou apenas na memória. O que dizer da nossa memória olfativo? Lembramos de coisas só pelo perfume. As lembranças ruins ou boas são resgatadas nos momentos em que mais precisamos: lembramos do choppinho com os amigos naquele bar, o churrasco na casa daquele amigo, um cinema, um teatro, ou um simples bate-papo com a galera na pracinha do bairro; ou uma briga com aquela amiga ou aquele amigo, ou uma discussão com o cobrador do ônibus ou a caixa do banco, que você nunca mais viu na vida. Tudo isso se transforma em emoções e sentimentos que ficam guardados e que se tornam lembranças boas que trazem saudade.
E é na hora da solidão que recordamos estes momentos tão importantes, de como foi divertido aquele dia no bar com os amigos ou naquele dia em que ríamos na pracinha, ou de como fui tão idiota em ter culpado aquela pobre caixa do banco que não tinha nada a ver com os meus problemas.
Ria, ria muito dessas lembranças, sinta saudade, chore se for preciso, mas chore de alegria. E se num instante você sentir que a tristeza é grande, deixe que o sorriso seja maior. Não faça dessas lembranças um peso que tenha que carregar, faça delas refúgio. Aproveite cada nova fase da vida para aumentar estas emoções e estas lembranças. Viaje bastante, faça novos amigos, namore muito, aumente seus conhecimentos e sua cultura. Construa um círculo infinito de pessoas marcantes em sua vida, porque com certeza um dia você vai precisar. E num momento de total necessidade de conforto, você vai se dá conta de que em algum lugar (ou vários) deste mundo, haverá alguém pensando em você e pensando no quanto foi bom ter te conhecido.


à Maria Aparecida.

A moderninha

— Precisamos dar um tempo.
— Lá vem você com essa palhaçada de tempo de novo. Não agüento mais isso! (blefando) Por que não terminamos tudo de uma vez e paramos com essa infantilidade?
— Ok. É melhor mesmo.
— O quê?! Mas você não queria só dar um tempo?
— A idéia de terminar tudo foi sua. Concordo.
— Eu não tinha idéia de coisa nenhuma. Se você quer dar um tempo, vamos dar um tempo então. Eu aceito o tempo.
— Eu estou confusa.
— Eu sabia. É alguma coisa com o emprego novo, né? Você está gostando de outra pessoa?
— Não existe outra pessoa.
— Ah, então o problema sou eu?
— Não, o problema não é você, o problema sou eu.
— Não me venha com essa! Se o problema fosse você, quem estaria pedindo um tempo seria eu, eu é que estaria confuso.
— É que eu acho que não sou boa o suficiente pra você. Eu não te mereço.
— Mas isso quem decide sou eu!
— Você é bom demais pra mim.
— Se eu sou bom demais pra você, então não há motivos para ficarmos separados. Você me ama. Você só está um pouco cansada. É só isso.
— (já sem paciência) A verdade é que eu não te amo mais.
— Ora, ora! Pra quem estava confusa, você até que está bem certinha agora do que quer.
— É que você me irrita e me sufoca. Eu quero sair à noite com meus amigos e você me prende. Isto está me incomodando muito.
— Vamos conversar com calma. Eu mudo meu modo de ser, só não podemos terminar.
— Não dá mais. Eu estou ficando com outro cara.
— Mas você me disse...
— Era mentira! E a gente já está ficando há algum tempo.
— Moderninha, hein! Daqui a pouco você está fumando...

Nosso destino era nunca nos beijarmos

Foi preciso anos para nos darmos conta de que fizemos tudo errado. Acho que se fosse hoje conversaríamos mais. Talvez eu não teria guardado por tanto tempo aquele sentimento que era tão gostoso, tão mágico, tão puro e inocente, e que ao mesmo tempo era cruel, que me fazia sofrer. Eu sabia que você me amava, mas tinha medo de perguntar. Você sabia que eu te amava, mas nunca perguntou.
Difícil é acreditar que talvez nada disso pudesse acontecer em nossas vidas. E se eu nunca te esperasse para irmos juntos pra casa? E se eu não passasse horas a fio só olhando pra você admirando sua beleza e ignorando seus defeitos? E se eu nunca tivesse brigado com aquele menino que estava te abraçando, mesmo morrendo de medo de brigar? E se você nunca tivesse feito carinho nos meus cabelos até eu adormecer? E se eu não tivesse te ensinado o significado de “O lábaro que ostentas estrelado”, e você não tivesse me ensinado aquela frase em inglês, que até hoje eu repito: “are you crazy, boy!”? E se a gente não ficasse todo santo dia juntos, só por ficar. Lembra que eu parei de usar perfume porque você era alérgica? Lembra que você me esnobava porque suas notas na escola eram melhores que as minhas? Lembra de tudo isso? E se nada disso tivesse acontecido? Difícil é tentar entender as armadilhas que o tempo nos prega. Quando se é criança é bem mais simples amar. Quando se é adulto é bem mais complicado entender o que o coração quer dizer.
Ah, se soubéssemos que seria tão simples entender o que pareceu ser tão complicado naquela época. Mas a gente tinha que estragar tudo! Foi preciso um beijo, um único beijo, que, inexplicavelmente, foi o último. Mas o melhor de todos os beijos, uma sinestesia absurda: perfume, calor, sabor. O beijo que ficou congelado na minha memória. E depois desse beijo, nunca mais um sorriso,um abraço, um gesto de carinho, nada. Só o silêncio inoportuno de anos inexplicáveis de distância.

Versos Diversos

Se um dia tu quisesses
Deste amor que só faz bem...
Quanto brilho tens nos olhos!
Fez nascer amor a quem?

Um a um foi se partindo
Um a um amor e preces...
Vozes lindas te daria
Se um dia tu quisesses.

Quando passas mal me vê
Quando passo vejo a ti
Mas um dia há de passar
E sorrir só para mim

De amor não chorarias
Ai que ânsia e vontade!
De te ter sempre sorrindo
Nos meus braços de verdade.