terça-feira, 17 de novembro de 2009

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Room in Brooklyn


i.

O sol da manhã lançava as suas primeiras notas no céu, acordando pouco a pouco a cidade. Marie já estava devidamente sentada de frente à janela do canto do quarto. Deu o primeiro gole no chá de framboesa, queimando levemente a língua. Deixou a xícara de lado, de modo que a bebida esfriasse um bocado. Abriu o caderno de capa azul e releu os últimos parágrafos que havia escrito na noite anterior. Respirou fundo e sentiu o olhar se perder na imagem dos personagens que criara.

Marie não mais se identificava ali. Nada mais parecia óbvio. Voltou algumas páginas. Suas percepções se alternavam a cada instante. Não entendia porque Olivier Charcot havia aparecido. Marie queria mais. O que havia feito até então não mais a correspondia.

Olhou novamente para o céu. Se espantou com seu tom ainda mais azulado. Buscava agora entender o que as nuvens queriam lhe dizer com aqueles enigmático desenhos.

Talvez não quisessem dizer nada. Talvez esperassem que ela própria reagisse, que tomasse uma atitude. Marie enxugou as duas lágrimas que ameaçavam cortar-lhe o rosto, suspirou profundamente e reconheceu: aquele texto parecia velho, estava horrível. Decidiu iniciar tudo de novo, a começar pela morte do principal personagem.

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ii.

Naquele primeiro dia de céu azul, a Sra. Benjamin conseguiu finalmente sair da cama. Sentou-se na salinha ensolarada, passeando os olhos pelos telhados de Nova York, às vezes pousando sua melancolia sobre o vaso de tulipas.

Até aquele momento — e a guerra acabara há seis longos meses! — ela não havia recebido uma única linha de Arthur. Estaria ainda naquele povoado da Itália? Estaria ferido? Teria se esquecido de tudo? Quem sabe perdera a memória para sempre, vítima de algum estilhaço no cérebro?

Uma brisa fria entrava pelos cantos, apesar do sol que batia em seus pés, e ela estremecia de frio e de medo.

Caminhou até a cozinha e abriu a dispensa, sem saber o que iria encontrar. Há mais de uma semana não ia ao mercado — estava mesmo sem apetite nos últimos dias — e, quando conseguia levantar da cama, obrigava-se a engolir uma torrada, às vezes acompanhada de um copo de leite.

Nada mais naquela casa fazia sentido. O chá já não tinha mais sabor, e as manhãs já não mais lhe inspiravam a escrever cartas sem respostas. Desde que Arthur partiu sofria (talvez fosse por problemas no fígado), mas de qualquer maneira sofria.

As lembranças vinham a todo momento. Queria controlá-las, mas já não era dona de si mesma.

Voltou para a salinha, seu antigo vaso de tulipas ainda estava lá. Se sentiu protegida. Olhou para o céu que parecia lhe dizer algo, mas que não compreendia. Seu pensamento estava em Arthur e suas mãos sobre a nova carta que escrevia.
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Alexia Bomtempo
Elaine Olanda
Maria Helena Malta
Paulo Henrique Motta
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Estes dois contos foram escritos a 4 mãos num exercício de escrita da aula de Teoria da Literatura da professora Rosana Khol. A tarefa consistia em escrever o quanto desse num determinado tempo, tomando como ponto de partida para a inspiração a pintura Room in Brooklyn de Edward Hopper e depois passar para o colega do lado para que ele continuasse. Assim, cada um escreve no seu estilo, mas continuando a ideia anterior.


segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Blow-up

Acordei naquele dia sem lembrar de nada do dia anterior. Caminhei até a sala. Vi minha mãe por sobre um monte de papeis de bala rasgados, bolas estouradas e doces pisoteados. Sua leveza me encantava. Era linda minha mãe. Dedicada e carinhosa. Pensou em todos os detalhes. Não hesitara em acordar cedo e limpar a sujeira que mais um ano da minha vida, que se arrastava, fazia em sua sala pequena. Estava tudo desarrumado e as coisas postas fora do seu lugar. Voltei meu olhar para o quarto e meu pai ainda estava esparramado na cama. Olhei as fotos da noite passada por sobre a mesa. E chorei. Não consegui engolir o choro. Minha mãe encostou a vassoura na parede e alisou os meus cabelos, suave. Chorei de soluçar. Tentei respirar fundo para que o descontrole não rasgasse o silêncio da manhã. Mas meu pai despertou. Caminhou em minha direção. E me deu um tapa. Bem forte. A raiva que me atravessou o estômago não podia mais mudar a fotografia que eu tinha na mão. Ele seria para sempre a pessoa que ganhou o primeiro pedaço do meu bolo de aniversário.